Nasceu! Uma emoção tão intensa que passa da mente pra uma melodia, na cabeça a música tocava junto com seu arranjo complexo, vários instrumentos, guitarra, baixo, bateria, variadas vozes e no lado de fora era só eu, um violão, uma voz, era demais. O encontro do mundo real com o imaginário parecia amplificar aquelas notas nascendo do violão. Era lindo, mas agora havia um enigma, como fazer o mundo real escutar seu mundo imaginário?

E era só um violão
Um mundo de instrumentos na mente e só um violão na realidade, como fazer uma idéia tomar a forma que você quer? Assim começava minha batalha, minha primeira tentativa, gravador do celular e violão… não serviu de muito, mas continua sendo até hoje minha ferramenta pra gravar idéias que vem nos locais e momentos mais inesperados.
Segunda tentativa, era um recurso que me amedrontava bastante, aquele local no qual eu não podia entrar sozinho e nem mexer em nada, onde eu teria que abrir mão totalmente da condição de ter o controle, esse local era o mini estúdio do meu pai.
Sentei no estúdio encarando nele a experiência e a confiança, me amedrontava e me animava ao mesmo tempo, vários equipamentos e teclas que eram um mundo de opções proibidos e impossíveis para um ser humano como eu.

Primeira parte, segunda tentativa
Comecei a explicar a batida que eu queria na bateria e ele disse “Beleza, vou fazer aqui e você escuta, como vc quer o baixo?”. Com o auxílio do violão mostrei os acordes e uma linha simples de baixo, resposta: “O baixo tem que ter um pouco mais de ritmo, vou tocar um aqui e vc avalia”, e assim fomos, mostrei a guitarra com um pouco mais de confiança do que queria e a melodia.
Ah a melodia, minha grande chave para entrar na sala do tesouro, isso fez com que meu grande crítico me desse uma oportunidade, mediante suas regras e seu controle obviamente, mas me considero de extrema sorte por ter podido contar com meu pai nesse primeiro momento, nessa primeira música que compus e motivou o homem a investir energia nesse projeto.

Suor, concentração e muitas horas no estúdio, tudo parecia correr bem, minha expectativa aumentava de finalmente ter minha idéia tomando vida, gravações de guitarra, de voz, track após track, acertos, erros, o tempo passou…
Agora era hora da mágica
Gravei minhas trilhas de guitarra, voz e agora era hora de esperar, de abrir mão do controle, de esperar que as trilhas independentes se juntassem e se tornassem uma música. Saí do estúdio e deixei o cara trabalhando nas idéias, não podia entrar ou perturbar até que ficasse pronto (ordens do mestre). Quanto tempo ia demorar? Com ele não conseguia saber, meu ídolo atuava na velocidade e intensidade que ele sentisse, seu combustível era motivação e inspiração, as quais podiam vir a qualquer momento e de qualquer local, o qual por minha sorte, estava no refrão da minha música.

Cada dia mais ansioso e animado para ver como a criatura de Frankenstein ia nascer, até que uma noite sai meu pai empolgado do estúdio e diz “Vem ver Hugo”, entro no estúdio, coração palpitando a 162 batimentos por minuto e ele com sorriso no rosto aperta o play. Um liquidificador de emoções corre por mim, começo a ouvir um “todas as vezes…” junto com toda aquela imensidão de instrumentos, é mágico ver pela primeira vez sua obra tendo vida.
Meu pai olhava pra mim emocionado e empolgado, captando cada expressão minha, nosso vínculo acabou crescendo mais e mais, “como era possível ainda ficarmos mais próximos?”, passava pela minha cabeça ao lado do meu melhor amigo, herói e acabou a música.
Lindo! A beleza de ouvir um arranjo na minha primeira música, a guitarra que eu gravei, a voz que eu gravei, a bateria que .. não era bem assim que tinha pensado, o baixo que…. não soava como o da minha cabeça, “Então Hugo gostou? Vamos gravar mais uma?” Minha resposta, “adorei pai, muito obrigado”.
Muito amor pelo meu pai para falar das minhas dúvidas naquele momento, mas no final das contas a música ficou linda…mas de outro jeito, era minha receita, mas com o tempero de outro sabe?

Não cheguei a usar aquela versão para muito, mas bem serviu pro pai orgulhoso mostrar a música do seu garoto músico pra família. Muitas horas e notas, mas no final das contas será que valeu a pena?
Valeu muito! O tempo teve que passar para eu entender que todo trabalho não foi em vão, de fato, ele é base para o que me tornei, se um dia fui inseguro e tocava guitarra com medo de jogar todas as idéias no ar, hoje só consigo tocar os instrumentos que preciso pra fazer minhas trilhas sozinho em um estúdio por causa daquele momento, daquele pai e daquele garoto. Então no final das contas só uma palavra aparece na minha mente, obrigado.